Eu nunca esqueci daquela fita.
Era uma fita amarela, muito velha e já manchada pelo tempo. Ela tinha uma música que eu gostava muito e para mim havia sido um grande achado, aos 15 anos, encontrar aquela fita com justamente aquela música no meio de tantas fitas velhas que herdei de meus pais.
Eu ouvia aquela música incansável e repetidamente por horas a fio. Terminada a música, rebobina, ouve de novo. A prática era tanta que eu sabia o tempo exato de apertar o RR e o Play novamente. Ouvia que me acabava e cantarolava baixinho acompanhando a música que eu não sabia pronunciar inteira por ser cantada em outra língua.
Arranjei um namoradinho e abandonei minha amiga fita. Um namoro tão conturbado quanto todos os que viriam depois seriam, mas eu nem sabia disso. Meu mundo ainda era todo cor de rosa.
Meu primeiro namorado era muito musical, gostava das mesmas coisas que eu gostava em termos musicais e acabei emprestando minha música pra ele. Minha fita. Minha música.
Um dia terminamos e minha fita ficou com ele. Fiz questão de reaver tudo o que era meu, inclusive a fita.
Lembro como se fosse hoje a fúria que me acometeu a colocar a fita no rádio e ela ter apenas silêncios... um pássaro... uma risada... silêncios... e mais pássaros... e a minha psicose cega me tomando no meio daquele silêncio todo buscando qualquer coisa que pudesse incriminar o maldito primeiro ex-namorado que apagou minha música, minha fita, minha essência dos 16 anos. E na minha loucura não ouvi nada além de pássaros, uma tosse, algumas risadas, e a minha imaginação psicótica seguindo uma sequência mórbida de busca e ataque, assassinando o meu primeiro ex-namorado brutalmente em silêncio no fundo da cortina de silêncios tecida pela minha fita, e a minha música.
Eu nunca esqueci daquela tarde psicótica de primavera...
... em que o ódio gritou aos meus ouvidos pela primeira vez.